Meninos não estão imunes à violência sexual

Já que não existe outra forma de prevenção que não a educação autoprotetiva, devemos instruir também os meninos a lutarem contra o abuso.

Anna Luiza Calixto

Não existe vacina contra a violência sexual: a única proteção possível é a educação autoprotetiva, expressão patenteada pela pesquisadora brasileira que vive no Japão Paola Belucci. Educar para a prevenção é um ato de cuidado e alerta, fundamental nos dias de hoje.
A FAPESP divulgou recentemente uma pesquisa da Universidade Federal do Piauí que revela que, entre 2013 e 2022, o aumento de casos denunciados de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino foi de 6.8% ao ano. Friso aqui a palavra denunciados, considerando que o abuso e a exploração sexual contra crianças e adolescentes já é um fenômeno subnotificado, realidade que se acentua no que se refere aos meninos, pelos motivos que elenco abaixo.
Meninos são condicionados ainda com o pensamento persistente do senso comum: “prendam suas cabritas que o meu bode tá solto”. Só essa pérola do machismo no Brasil já valeria uma coluna inteira, mas vou me contentar em dizer que os meninos têm enorme dificuldade em se reconhecer como vítimas de violência sexual na infância porque creem necessitar performar sua sexualidade de forma predatória, não podendo ser ameaçado.
Quando essa violação vem de uma mulher, muitos meninos acreditam ter sido meramente seduzidos, afirmando não raro terem consentido. A questão é que o artigo 217-A do Código Penal Brasileiro define crianças e adolescentes antes dos 14 anos como vulneráveis, leia-se como incapazes de consentir. Logo, o dito consentimento de crianças e adolescentes até os 14 anos, sejam meninos ou meninas, é irrelevante para a lei. Quer seja um menino ou uma menina, quer a resposta seja sim ou não, a resposta é: violência sexual. A idade deles torna-os vulneráveis às violências.

 

 

O cenário é ainda mais complexo quando a violência vem de um homem, porque isso fere mais do que a dignidade sexual, mas a concepção de eu dos meninos, que muitas vezes negam ter sofrido o abuso para não serem estigmatizados ou julgados pela violência que sofreram, o que seria – vale dizer – uma tremenda revitimização.
A questão é que, no Projeto Bem me quer, já acolhi muitos meninos que identificaram durante nossas palestras e intervenções que aquela brincadeira de mau gosto do tio, ou o segredo que foi obrigado a guardar com o irmão mais velho, era uma violência. Aí está o porquê de “precisar” ser um segredo tão bem guardado.
Existe concomitantemente uma lógica que afirma a penetração vaginal como eixo central da violência sexual, como se toda violação que é tangente a isso não fosse violenta o suficiente. A novidade é que isso é uma mentira daquelas passada hereditariamente, que se conta tantas vezes que passa a ocupar o lugar de verdade no imaginário popular – mas não são verdades. Um beijo na boca; uma carícia; um toque íntimo: tudo isso pode ser violento. Abramos nossos olhos diante da importância (e da urgência) de educar os meninos sobre o seu direito de dizer não e de buscar a ajuda de alguém em quem confiam para protegê-los.
Meninos também são alvo da proteção integral e a defesa dos seus direitos deve ser prioridade absoluta. Se toda criança é nossa criança, todo menino é nosso menino.