Os circos e a cidade

Márcio Zago

Ao reunir o material pesquisado no jornal O Atibaiense sobre os circos que passaram por Atibaia nas duas primeiras décadas do século XX, algumas informações chamam a atenção. A primeira é a quantidade de companhias que passaram pela cidade. Foram cerca de vinte e cinco, ou seja, uma por mês. Considerando a precariedade dos meios de transporte, o tamanho reduzido da população em condições de pagar um ingresso e o isolamento entre um aglomerado urbano e outro, podemos afirmar que o circo tinha grande aceitação local, informação que provavelmente extrapolava os limites regionais e atraía novas companhias. Por aqui passaram circos com grandes estruturas para época, como o Circo Guarany (de João Alves), o Circo Clementino (de Clementino Zacharias), o Circo Luso Brasileiro (de Ângelo Travagline) ou ainda o já famoso Circo Naska (de Frank Naska). Mas atraía também as pequenas companhias como o Circo Procópio, que em 1905, devido ás chuvas, quase sucumbiu não fosse à ajuda dos moradores locais. Já preparavam uma subscrição para levantar recursos para a companhia, cuja trupe já passava fome, quando felizmente a chuva parou e a população aderiu em peso ao apelo dos artistas lotando “a cunha” várias sessões. As fortes chuvas que caíam em Atibaia também é um fato que chama a atenção.
Quase todos os circos tiveram sua programação interrompida por essa razão. Antes do circo se estabelecer na cidade era de praxeo empresário, ou outro representante da companhia, fazer uma visita à redação do jornal para fornecer informações sobre o espetáculo, ocasião em que oferecia pequenos agrados aos editores para garantir a divulgação. Em alguns casos buscavam contratar os músicos locais (Juvêncio Fonseca participou e vários espetáculos).
Os “pavilhões” eram então armados no Largo do Mercado, onde já funcionava de forma permanente o teatrinho da cidade, caracterizando aquele local como um espaço de entretenimento da época. As atrações eram variadas, da pantomima as touradas (ou espetáculos “tauromachica”, como diziam), passando pela ginástica acrobática, a mímica, as atrações zoológicas (cães, cavalos e cabras adestradas), prestidigitador e até exibições cinematográficas. Fatos curiosos ocorreram com os circos ligados às touradas. Em 1908 um touro bravo chifrou a boca de um toureiro, arrancando-lhe vários dentes. O acidente causou pânico na plateia, com direito a inúmeros desmaios das damas ali presentes. Outra polêmica acorreu em 1915, quando foi noticiado que o açougue de “carne verde” (assim era chamado) dos Srs. Alfredo Guilherme e Irmãos, estabelecidos na Rua José Bonifácio, doaria algumas cabeças de gado para o espetáculo, que seriam abatidas e mais tarde vendidas normalmente. Notícias do O Atibaiense esclarecem ser inverídico esse fato, revelando que a ideia não agradou a populaçãoem geral. Chamado na época de “Circo de Cavalinhos”, as atrações circenses representaram por muito tempo uma das únicas oportunidades de diversão para os moradores da cidade. Mas para isso era necessário dinheiro para pagar o ingresso excluindo, portanto, boa parte da população. Um artigo do O Atibaiense esclarece: “Preparem bastante “arame” (como se referiam a dinheiro), sem este metal a direção não concederá entrada, salvo um mergulho por baixo do pano”. Por ingenuidade, ou de maneira intencional, estava dada a dica para a molecada da época. Bons tempos!

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.