O piano em Atibaia

Marcio Zago*

Na música europeia o piano conheceu seu protagonismo em meados do século XVIII. No século XIXfoi introduzido no Brasil e está presente nos primeiros registros fonográficos brasileiros da primeira década do século XX. Instrumento de cordas percutidas, o piano teve no Brasil especial destaque a partir do Segundo Império. A valorização do estudo e da prática pianística fazia parte da vida cultural das classes dominantes, fortemente influenciadas pela cultura europeia. Com o passar do tempo o instrumento chegouaté as casas das famílias de classe média também, gerando novos hábitos socioculturais e o surgimento de professores particulares, cursos, saraus, recitais de piano etc.
Em Atibaia a segunda escola feminina, criada em 1865, dirigida por Madame de Arpenans, já incluía o ensino do piano em seu currículo. Folheando as páginas do jornal “O Atibaiense”, referente à primeira década do século XX, fica evidente a penetração do instrumento na cidade pela quantidade de anúncios de compra e venda, de serviços de afinação e consertos, além da oferta de cursos particulares, considerando o diminuto número de habitantes daquele período.
Uma curiosidade dessa época ocorreu em 1901, quando o jornal anunciou um “Desastre” ocorrido com o Senhor Raphael de Oliveira ao colocar um piano sobre o carro de boi. Apanhado pelo pesado móvel, o popular sofreu fratura na costela e ferimento nos pés, habilmente tratados pelo Dr. Miguel Vairo. Nas casas de alto padrão o piano figurava em lugar de destaque na sala, propiciando pequenas apresentações aos visitantes, onde o proprietário punha à prova os dotes artísticos de seus familiares, principalmente do sexo feminino.
Mas era no Clube Recreativo que o instrumento ganhava destaque e importância. Em 1905 o clube recebeu a pianista Guiomar Novaes, então com 11 anos de idade (assunto já tratado em artigo anterior). Guiomar Novaes tornou-se referencia nacional neste instrumento. Em 1909 foi à vez de Mozart de Luna e José Urioste realizar um concerto a quatro mãos nas dependências do clube. Outros amadores locais ocuparam o espaço como Salles Bastos, Napoleão Maia e Tabajara Pinto que realizou, também em 1909, um concerto de piano, violão e flauta, incluindo os músicos Elias Propheta, Juvêncio Fonseca e Laura Pierotti. Em 1908 o recém-criado grupo escolar abre subscrição para a compra de um piano. Assim dizia a carta enviada ao jornal: “Desejando corresponder eficazmente ao fim para o qual foi criado e cônscio do espirito progressista desta cidade, o Grupo Escolar José Alvim, representado pelo seu corpo docente, deliberou abrir uma subscrição popular e outra escolar para a aquisição de um piano destinado ao ensino de música e canto…”Lembrando que na época o diretor do Grupo Escolar era Napoleão Maia, também músico e irmão de José Antônio Silveira Maia, proprietário do jornal “O Atibaiense”.
E assim o instrumento foi ganhando espaço entre a elite escolarizada da cidade, sendo utilizado tantonas realizações profanas (como acompanhamento musical das exibições cinematográficas), como religiosas (acompanhando os corais durante as missas). Outra curiosidade é que em 1904 o jornal “O Atibaiense” anunciou a possibilidade de a Igreja Matriz ganhar um órgão de dois abastados irmãos “capitalistas” locais. Embora seja diferente do piano, a associação me veio em razão de que ambos são acionados por teclas, enquanto no piano elas acionam as cordas, no órgão as teclas acionam a passagem de ar pelos tubos. Na nota o jornalista José Antônio Silveira Maiaconcluiu: “A ser verídico este boato, cremos que não fazem mais do que seu dever: não sacrificam seus haveres, não deixam suas arcas sem fundos e nem exaustas de recursos, pois esses cavalheiros são por demais fartos…em ouro.”Resumo da história: O órgão nuncafoi doado!

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.