João Graia – O artista que desenhava dinheiro

Marcio Zago*

No livro “História de Atibaia”, de Waldomiro Franco da Silveira, o autor fala de um tipo popular que viveu na pacata Atibaia de outrora. Seu nome era João Batista Cardoso, conhecido como João Graia. Magro, alto, de cavanhaque longo, João Graia trazia no corpo e na alma as marcas de um dos episódios mais tristes e cruéis de nossa história: a Guerra do Paraguai. Conflito que se estendeu por seis anos de sangrentas batalhas.
Foram 60 mil brasileiros mortos e 300 mil paraguaios, de 500 a 525 mil habitantes antes da guerra, incluindo crianças. Diante de tanto horror e sofrimento, vivenciados na pele enquanto voluntário da guerra, João Graia enlouqueceu e encontrou na cidade condições mínimas de sobrevivência. Procedente do Rio de Janeiro, de onde veio a pé, João Graia perambula tristonho pelas ruas da cidade e fez sua morada na velha sacristia abandonada da Capelinha da Saúde que existia no Largo Alegre, hoje Praça Bento Paes.
Sobrevivia da caridade pública e da ajuda dos comerciantes, pagando o pouco que necessitava de maneira única: desenhando seu próprio dinheiro. Com carvão ele rabiscava as cédulas em papel de embrulho e entregava como pagamento… ”Qualquer negociante vendia a João Graia recebendo o dinheiro por ele emitido; na nossa meninice, quantas e quantas vezes tivemos ensejo de vê-lo adquirir carne no açougue de Nhô Quim Leite, dando o pagamento uma nota feita ali, na hora. E o mais interessante é que nunca exigia troco, qualquer que fosse o valor da pelega.
Assim viveu obscuramente, sem nunca ter dado aborrecimentos a ninguém ou trabalho a polícia.”, escreveuWaldomiro Franco da Silveira. No dia 04 de novembro de 1901, João Graia foi encontrado morto na velha sacristia. Seu enterro, anunciado nas crônicas do jornal “O Atibaiense”, foi bastante concorrido, sendo acompanhado pela sociedade local e pelo delegado de polícia que prestou sua última homenagem ao velho combatente de guerra indicando três praças do destacamento para acompanharem o féretro. João Graia foi um dos muitos tipos populares que integraram a comunidade atibaiana. Era a personificação de nossas contradições sociais: Da crueldade extrema de uma guerra insana à bondade comedida da sociedade da época. Sem motivo que se fizesse notar, João Graia, e tantos outros personagens semelhantes, ganharam visibilidade graças ao trabalho de pesquisadores, intelectuais e jornalistas sensíveis como Waldomiro Franco da Silveira, João Batista Conti e José Antônio Silveira Maia, este último proprietário do jornal “O Atibaiense” na época.
Cada um a sua maneira deixou registrado para a posteridade a passagem por essa vida de pessoas simples, de indigentes e desvalidos que, queiram ou não, também fizeram parte de nossa amalgama social. Pessoasque integram o injusto meio social de nossa pobre existência humana.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.