E surge o primeiro Lirofone

Marcio Zago

Não é difícil imaginar a sonoridade do pequeno centro urbano de Atibaia no inicio do século XX: canto de pássaros; trotar de cavalos e rodas de madeira sulcando a terra batida; passos de pessoas;mugidos de vacas; berros de cabra;gritos de crianças; latidos de cachorro; conversas de pessoas. À noite o canto dosgrilos, o coaxar dos sapos e o canto da suindara. Em dias de festa, além dos estrondos dos rojões e girândolas, o silêncio quebrado pela massa sonora das bandas de música que percorriam as principais ruas do lugarejo. Por essa época apareceu na cidade os primeiros sons de produção artificial: o telefone e ofonógrafo. Ou melhor, o lirofone. Ambos em 1901. A partir daí uma enorme inovação passa a integrar o cotidiano da cidade. Daquele momento em diante os sons deixavam de ser exclusivamente originais de quem as produzia e ganhavam autonomia ao serem manipulados, movimentados, transportados e amplificados. Uma surpresa para a época! O telefone ainda era restrito a poucos usuários, mas o lirofone ganhou a simpatia e admiração de muitosatibaianos do passado que se aglomeravam em volta do novo equipamento. A novidade chegou no dia 23 de junho de 1901, no comércio da Rua José Lucas, quando foi inaugurado o lirofone do Sr. José de Franco.Uma audácia se pensar que o fonógrafo tinha sido inventado a menos de três décadas atrás por Thomas Edson, em 1873, quando o som ainda era emitido através de cilindros com ranhuras. Somente mais tarde o alemão Emil Berliner, altera a matriz fonográfica cilíndrica para o disco plano e nomeia Gramofone. O Lirofonede Atibaia era a versão mais popular do fonógrafo. De seus cilindros de ceraemanava o seleto repertório: O Bem-Te-Vi; O Fim do Mundo; O Bonde; Jaz Linda Noite; Quero Água; Marselhesa; Marcha Real Italiana; Hino a Garibaldi; Cavalaria Rusticana; o Guarani e muitos outros.
No livro “Atibaia – O Paraíso Possível na Terra”, de Nelson Silveira Martins o autor assim descrevia aquele momento: “E por muito tempo, o fonógrafo da Rua José Lucas fez as delícias da multidão. Vivia numa vibração perene, de dia e de noite, com sol e com chuva. Apresentava-se o lirofone com o indizível orgulho beatífico, semelhante ao orgulho governamental de antanho, quando, por ocasião de visitas ilustres, exibiam a briosa força pública, instruída pela missão francesa”.E completava “O lirofone produziu na cidade um sucesso inenarrável! O povo atibaiano acreditou-se um núcleo da mais requintada civilização. Possuía um fonógrafo moderno, com peças de músicas, discursos, coisas inéditas para a cidade”. E não era para menos:Se considerar a morosidade existente nas renovaçõestecnológicas da época, receber um aparelho que começava naquele momento a ganhar popularidade no Brasil era para poucos. Muito poucos! E a novidade rendeu. Em 1901 “O Atibaiense” publicava: “Segundo nos disse o Sr. José de Franco a “escultação” de cada peça do fonógrafo será cobrado à razão de 100 réis. Isto é por demais barato, e ninguém deve perder esta ocasião de, com tão pouco dinheiro, ouvir pedaços de óperas, sinfonias, etc. com um tostão”.E assim, de tostão em tostão, a cidade galgava os degraus civilizatórios da tecnologia num Brasil ainda fortemente escravocrata e rural, mas que tinha pressa em se afirmar como nação moderna.

Márcio Zago é artista plástico e artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”. É criador e curador da Semana André Carneiro.