A poesia nas páginas d’O Atibaiense

Marcio Zago*

Folheando os primeiros volumes encadernados do rico acervo do jornal O Atibaiense um fato chama atenção: A quantidade de poesias publicadas nas primeiras páginas do jornalaté metade do século XX. Era quase uma padronização estética ter um poema arejando as saturadas páginasdo jornal, lembrando que por questões técnicas o uso da imagem era restrito e oneroso. Os poemas assim publicados satisfaziam plenamente a necessidade da elite local em acessar a linguagem, num tempo em que o livro era raro até mesmo para esta pequena camada social. “O jornalismo é para todo o escritor brasileiro um grande bem. É mesmo o único meio do escritor se fazer ler. O meio de ação nos falharia absolutamente se não fosse o jornal porque o livro ainda não é coisa que se compre no Brasil como uma necessidade”. Palavras de Olavo Bilac ditas em 1904. Para “O Atibaiense” a poesia atribuía status, além de facilitar sua realização, uma vez que se tratava de “matéria fria”, isto é, um material que poderia ser publicado a qualquer momento, sem a urgência que caracteriza o dia a dia de uma redação.
Os poemas tinham diversas procedências. Muitos eram reproduções de autores consagrados como do próprio Olavo Bilac, além de Machado de Assis, Gonçalves Dias, Coelho Neto, Fagundes Varella, Arthur Azevedo, Luís Gama,Delmira Silveira de Souza, Adalzira Bittencourt (era raro a publicação de poesias de mulheres), Luiz Delfino, Aristeu Seixase outros. Autoresde diversas regiões e ligados a diferentes escolas literárias como o Realismo, o Romantismo e o Parnasianismo. Alguns autores chegaram a fazer visitas à redação do jornal antes de terem as obras publicadas, caso do poeta Victruvio Marcondes.Havia também autores de outras nacionalidades, como Luiz de Camões, Bocage ou o poeta espanhol Lope da Vega, do qual “O Atibaiense” reproduziu o ousado poema “A Pulga”, em novembro de 1906:

Morde atrevido átomo vivente
Os brancos seios de Leonor formosa,
E incontinente um ponto cor de rosa
Marca nos seios o invisível dente.

Juntando as unhas de coral luzente,
Prendendo a pulga, Leonor queixosa,
Torce-a entre os dedos e, vitoriosa,
Doce vingança no castigo sente.

Morrendo, disse a pulga lastimosa:
-Ah! Triste mal tão breve e dor tão forte!
-Oh! Pulga, disse lhe eu, foste ditosa!

Saiba Leonor que eu sofro o que sofreste,
Saiba que eu troco a vida pela morte,
Se me deixar beijar onde mordeste.

Havia ainda poemas de autores sem referencias atuais, seja pelo uso de pseudônimos, seja pelo fato de não terem alcançadoprojeção futura, caracterizando a grande maioria das publicações da época. É o caso de João Climaco, da cidade de Limeira, que colaborou com inúmeros poemas no jornal. Ou então dos poetas Germano, Bandarra (sabidamente de Atibaia), João Batista Coelho, D. Xicote dela Pinta, Felisberto Filho e tantos outros. Por fim os autores conhecidos e influentes na sociedade local, caso de Licínio Carpinelli, de Castro Neves ou Olympio da Paixão, que publicou o triste poema “Stella!”, em novembro de 1908.

Não fui hoje rezar, é morta filha minha,
Na rasa sepultura em que se aninha,
O pó do teu cadáver,
Por ser pobre e não haver,
No tugúrio de teu pai, esplendida coroa.
Que fosse ter dos prantos da garoa
A lágrima gelada, a lágrima ser dor…

Não fui; Olhei de longe, a turba fementida,
De luto carregado, de sedas revestidas,
Com as pálpebras pisadas,
Indo ver, de seus mortos, a plácida guarida.
De cardos, amanha a terra revolvida.
Coberta, em abandono, ao sol em pleno ardor!

Não fui… E para que? Ó filha de minh’alma!
Na tua sepultura, a flor de roxa palma,
Se ali já não está
O teu espirito gentil, d’essenciaimaculada.
Que evoluiu se foi na abobada estrelada
Purificar-se da vida efêmera dos mundos?!

Se tens aqui de meu peito nos refolhos,
A saudade e a lágrima quente destes olhos
Caindo em lúgubre ternura.
Nesta vida sepultura,
Que seque-te, caminha, vê-te nas estrelas,
Na luz do sol poente, nas umbelas.
Das flores que se abrem nas noites de luar?

Eis porque fiquei, quando os sinos badalavam.
E os vivos para os mortos caminhavam
Pois estamos aqui perto,
Em colóquio d’almas juntas,
Eu na vida e tu na morte,
Iguais extremos de um deserto!

* Márcio Zago é artista plástico e artista gráfico de formação
autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”. É criador e
curador da Semana André Carneiro.