Cultura e educação são antídoto para o crime organizado
A mídia volta e meia nos traz essa realidade extremamente contraditória, misturada a mistério e desconhecido.
Luiz Gonzaga Neto
O glamour na vida de Anna Sorokin em Nova York terminou abruptamente em 2019, quando foi condenada a três anos atrás das grades. Mas a história da “falsa herdeira” que deu desfalques milionários não acabaria aí. É contraditória, como se o mal fosse transformado em bem, pela mão de Deus e pelo interesse do mercado. A Netflix se interessou pela história da golpista e pagou US$ 320 mil (R$ 1,8 milhão) pelos direitos para contá-la. ?Depois, a moça Sorokin ganhou liberdade condicional. ?Recentemente, em entrevista à BBC, lhe perguntaram se o crime compensa.? “De de certa forma, sim”, respondeu como quem descobre uma nova força da natureza, uma verdade que existia escondida nas matas e nas cidades. Ela desviou 270 mil dólares e o novo contrato proporcionaria retorno de US$ 300 mil.
A mídia volta e meia nos traz essa realidade extremamente contraditória, misturada a mistério e desconhecido. Se o crime “não compensa”, do ponto de vista da ética e do humanismo, por que o crime organizado busca o “bem” como forma de autenticação e formação de governo paralelo, nas periferias do mundo, mas também entre quem apenas parece autoridade? Essa pergunta é feita por acadêmicos e jornalistas policiais, gente que se debruça para entender o funcionamento dessa “alta gerência” das quebradas do mundaréu, como o dramaturgo Plínio Marcos descrevia a marginália em suas peças de teatro.
Quando morava na Capital e circulava o máximo que podia entre os circuitos culturais, este “operário das letras que vos fala” via Plínio Marcos sentado no chão, na entrada dos teatros, vendendo seus livros em edições próprias, com as evidências e obscuridades da arte poética. Sem pandemia, aquele tempo nos permitia o vagar pelas ruas, deambulando, descobrindo vitrines, mulheres bonitas e encantamentos do coração ao se cruzar a avenida Ipiranga e a São João, na letra de Caetano. Mas esta é outra história, com muitos desdobramentos e recordações. E a gente pensava que aquele “tempo maldito” iria passar… Doce ilusão.
O crime organizado se estruturou como “empresa” multinacional e desafiou o Estado. Nos lugares mais dominados, faz o que o governo deixa de fazer. Distribui alimentos, oferece remédios e proteção e se dispõe a ajudar na solução de conflitos nas comunidades. O bandido se traveste de mocinho e convence parte da população, descrente nas instituições e na classe política que deveriam ajudá-la, sobre suas “qualidades” de Robin Wood. Essa situação sócio-política é difícil de destrinchar e muitos jornalistas que tentaram contar parte das histórias, foram perseguidos e assassinados. É um capítulo que, talvez um dia, as escolas de comunicação possam contar a seus alunos.
Nos anos 70 do século passado, tive o privilégio de sentar nos bancos escolares da USP e frequentar as aulas da Escola de Comunicações e Artes. Foi o que mais me protegeu do fundamento criminoso de nossa sociedade. Lembro da professora Cremilda Medina (técnicas do jornalismo), acolhedora e objetiva com os alunos, e do professor Virgílio Noya Pinto, originário da Faculdade de Filosofia e integrado à ECA no campo da História das Comunicações, de sorriso fácil, olhar iluminado, de paletó e gravata. Com a implantação do novo currículo em 1970 e a defesa do doutorado em 1972, o professor Virgílio assumiu a disciplina História da Cultura, consolidando assim sua posição na área da comunicação. Em outras palavras, quero dizer aqui que só com cultura e educação, temperadas com devoção a Deus, poderemos sair da tragédia mundial. E aqui passo a régua!
* Luiz Gonzaga Neto é jornalista, analista em comunicação da Câmara de Atibaia e blogueiro, autor de brincantedeletras.wordpress.com. Esta coluna pode ser lida também no site do jornal O Atibaiense – www.oatibaiense.com.br.