Professor de Atibaia esclarece equívocos sobre o Sistema Cantareira

Ao passarmos pela Rodovia D. Pedro I (em Nazaré), o volume de água é considerável no Reservatório Atibainha, mas não representa a realidade hídrica.

Ao passarmos pela Rodovia D. Pedro I (em Nazaré), o volume de água é considerável no Reservatório Atibainha, mas não representa a realidade hídrica.
Quando se fala do Sistema Cantareira, vários equívocos são cometidos por falta de conhecimento de suas características. Assim como tantos outros mananciais usados para o abastecimento público, o Sistema Cantareira ganhou espaço nos noticiários. Na série de artigos sobre as águas, o jornal O Atibaiense volta a ouvir o Profº Kleber Cavazza Campos, geógrafo e mestre em hidrogeologia.
“Este espaço decorre da sensação e certeza (para uns, sensação; para outros, certeza) da escassez e finitude da água facilmente percebida nas torneiras, reflexo de fatores como o aquecimento global antropogênico (AGA) cada vez mais evidente nos períodos de estiagem, que tem sido mais intensa e prolongada. Soma-se a isso a ausência de planejamento hídrico de médio a longo prazo que se proponha ao debate da segurança hídrica”, afirmou o especialista.
“Não faz muito tempo, em uma das edições do jornal O Atibaiense, o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento público de parte do Município de São Paulo e de tantos outros da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), foi foco de um breve artigo. Esse artigo fez com que algumas perguntas chegassem a mim, solicitando informações sobre a relação do Sistema Cantareira com o município de Atibaia”, explicou Kleber.
Seguem as considerações do professor:

MONTANTE E JUSANTE
Para iniciar, precisamos entender o significado de montante e jusante. Vamos considerar um prédio de 7 andares. Digamos que Atibaia corresponda ao 3º andar deste prédio. Aquilo que estiver entre o 4º e o 7º andar deste prédio serão andares que estão “acima” de Atibaia. Neste caso, tecnicamente, adota-se a terminologia “montante” para aquilo que está acima.
A montante (acima) de Atibaia encontram-se os municípios de Bom Jesus dos Perdões (seria o 4º andar), Nazaré Paulista (seria o 5º andar), Piracaia (seria o 6º andar) e Joanópolis (seria o 7º andar). Retornando ao 3º andar (andar em que se localiza Atibaia), o 1º e o 2º andar estão abaixo de Atibaia, adotando-se o termo “jusante”.
A jusante (abaixo) de Atibaia encontramos Jarinu (seria o 2º andar) e Campinas seria o 1º andar. Claro! Temos outros municípios, mas para nosso exemplo bastam os dois citados. E em relação ao Sistema Cantareira! O que podemos dizer? Atibaia, em relação ao Sistema Cantareira, está a jusante. Em relação a Jarinu e Campinas, o Atibaia está a montante. O que isso significa do ponto de vista hídrico?
Aquilo que fazemos ou deixamos de fazer em Atibaia não afeta a qualidade e quantidade de água do Sistema Cantareira. Afetará a qualidade e quantidade de água para os municípios que usam o Rio Atibaia para abastecimento público, a exemplo de Jarinu e Campinas. Mas incidente que ocorra lá em Nazaré Paulista, por exemplo, afetará a qualidade e quantidade de água do Sistema Cantareira e terá reflexo em Atibaia. Em termos hídricos, afetará a qualidade e quantidade de água disponível para captação do Rio Atibaia.

POR QUE O NOME
“SISTEMA CANTAREIRA”?
Quanto ao nome, o ideal seria que se chamasse Sistema Mantiqueira, uma vez que 90% de sua estrutura encontra-se em plena Serra da Mantiqueira. Não podemos dizer que se adotou o nome Sistema Cantareira. O que houve foi a permanência deste nome por razões históricas. O primeiro manancial de água que era usado para abastecer parte da cidade de São Paulo localizava-se na Serra da Cantareira. Desse manancial, é que surge a ramificação para trazer água dos reservatórios que hoje conhecemos por Sistema Cantareira.

O QUE É O SISTEMA CANTAREIRA?
Formado por um conjunto de reservatórios, o Sistema Cantareira tem suas águas cobrindo parte dos seguintes municípios: Joanópolis, Vargem, Bragança Paulista, Piracaia, Nazaré Paulista, Mairiporã e São Paulo. Escolhemos uma figura que facilitará entender a viagem da água até uma torneira localizada na cidade de São Paulo, por exemplo, no Terminal Rodoviário do Tietê.
Dos reservatórios do Sistema Cantareira, aqueles que se encontram em maior altitude são o Jaguari (barramento do Rio Jaguari – 1) e Jacarey (barramento do Rio Jacarey – 2). A ligação daquele com este se dá por meio de um canal escavado na rocha. Estes dois reservatórios encontram-se sobre Joanópolis, Vargem, Bragança Paulista e Piracaia.
Do Reservatório Jacareí, por meio de um túnel, a água é transferida para o Reservatório do Cachoeira (barramento do Rio Cachoeira – 3). Esta transferência ocorre sem necessidade de bombeamento. Simplesmente pela ação da gravidade. Este reservatório encontra-se em Piracaia.
O Reservatório do Cachoeira é interligado por meio de um túnel ao Reservatório do Atibainha (barramento do Rio Atibainha – 4). O fluxo da água de um reservatório para outro também segue a gravidade. O Atibainha está localizado em Piracaia e Nazaré Paulista.
Certamente, dos reservatórios mencionados até aqui, o Atibainha é o mais conhecido em decorrência da presença da Rodovia D. Pedro I que o corta com três longas pontes sobre suas águas. As águas do Reservatório Atibainha, por gravidade, após percorrerem um extenso túnel, são despejadas em um canal artificial, que se une ao Rio Juquery. Tanto um como outro, localizados em Mairiporã.
No Rio Juquery, as águas escoam por ele até encontrarem o Reservatório Paiva Castro (barramento do Rio Juquery – 5), localizado entre Mairiporã e Franco da Rocha. Toda a transposição de água entre um reservatório e outro se deu pela gravidade e envolveu três túneis. Agora, as águas encontram um enorme obstáculo: a Serra da Cantareira.
Para transpor o obstáculo, as águas do Reservatório Paiva Castro são bombeadas para o alto da Serra da Cantareira. Quem faz o bombeamento é a Estação Elevatória Santa Inês, localizada em Mairiporã.

A REALIDADE HÍDRICA
No alto da Serra da Cantareira, a água é despejada no Reservatório Águas Claras (barramento do Ribeirão Águas Claras – 6) seguindo, por gravidade, para a Estação de Tratamento de Água Guaraú (ETA – Guaraú). Estas duas últimas estruturas, em território paulistano.
Em 2016 juntam-se ao Sistema Cantareira outras estruturas, além das citadas. Mesmo diante das cheias ocorridas em 2009/2010, o Sistema Cantareira já prenunciava seu colapso e, consequentemente, problemas com o sistema de abastecimento público de água da RMSP desde 2003.
Em 2014, o colapso hídrico se acentuou e instalou-se em definitivo até os dias atuais. Como forma de minimizar o exaurimento dos reservatórios do Sistema Cantareira, a saída para aquele momento foi transpor as águas da Bacia do Paraíba do Sul. Essa transposição tomou as águas do Reservatório do Jaguari (barramento do Rio Jaguari – 7) localizado em Igaratá. Do Reservatório do Jaguari/Igaratá, parte um túnel que faz a conexão com o Reservatório Atibainha/Nazaré.
No primeiro trecho do túnel, logo que sai do Reservatório Jaguari/Igaratá, a água é impulsionada por bombeamento. No segundo trecho, por gravidade, as águas alcançam o Reservatório Atibainha/Nazaré. Este é o motivo pelo qual, ao passarmos pela Rodovia D. Pedro I (em Nazaré), deparamo-nos com um volume de água considerável no Reservatório Atibainha.
Comprovadamente, isto não representa a realidade hídrica do Sistema Cantareira, uma vez que nos reservatórios do Cachoeira (Piracaia) e Jacareí-Jaguari (Piracaia, Bragança, Vargem, Joanópolis) verificamos um volume insignificante de água. Atualmente o Sistema Cantareira conta com sete reservatórios, dois canais de ligação, três túneis gravitacionais de sentido único, duas elevatórias, um túnel não gravitacional, uma estação de tratamento de água e um túnel gravitacional de sentido duplo.