Quem vê santinho, não vê coração
Ao passo que a representação trata da ausência daquele por quem se fala, exige a presença que quem toma o púlpito (em um cenário político) e ocupa a cena, em um jogo de espelhos em que o representado deve se reconhecer na persona do representante. Cabe ponderar: em que outra configuração política e institucional seria possível organizar a sociedade e atender às suas necessidades elementares? Em uma sociedade sem Estado, quem representa as reivindicações de sua população?
Em termos de pluralidade da teia social, podemos considerar este como o cartão postal da população brasileira, cuja atual configuração política é uma democracia representativa. Com os olhos em uma sociedade como é a brasileira, evidencia-se o papel do Estado para além da ideia de representação, mas também para a organização da civilização em regras institucionais, códigos sociais silenciosamente obedecidos e construção de uma identidade nacional, um desafio tipicamente brasileiro. A título de ilustração, pode-se colocar que um quadro que põe em cena determinado episódio histórico não é aquele episódio, mas evoca sua presença por assimilação.
Por consequência, atribui-se ao voto o papel de selecionar o candidato que melhor representa os ideais de uma maioria e, assim sendo, compromete-se a levar tais reivindicações a frente de suas propostas e projetos políticos. Mas o quê, em termos práticos, leva o representante a obedecer aos interesses de seu eleitorado senão um desejo de reeleger-se pelos votos dos mesmos que lhe confiaram suas demandas? A autonomia do representante político, por regra de seu poder de decisão, pode afastá-lo dos princípios com os quais se comprometeu ao candidatar-se.
Ao passo que eleitos, os representantes ocupam uma cadeira na qual devem tornar-se uma imagem das reivindicações, demandas e especificidades do povo, como uma unidade. Para que um povo possa ser amplamente representado, todas as rodas sociais devem ser oportunizadas por direito a usufruir do voto livre para que, assim sendo, optem por nomes que bem as representem. Por sua vez, para que esta representatividade seja efetivamente possível, faz-se necessário que todas as comunidades detenham o direito e recebam as condições adequadas para ocupar a arena política candidatando-se.
Contemporaneamente, observa-se que, para além das leis eleitorais brasileiras que tornam não apenas possível mas obrigatória a candidatura de grupos diversos por partido, há uma estatística reduzida daqueles – e, em especial, daquelas – que alcançam os postos políticos de representatividade.
Em face do exposto, o voto é um direito político e, mais do que isto, uma ferramenta imprescindível para imprimir a imagem do povo, seus eleitores, nas propostas ali aprovadas. Outra faceta do princípio de representatividade política colocada à mesa no caso brasileiro é a possível insustentabilidade do nível de capacidade de gestão política dos representantes legitimamente escolhidos pela população, ao passo que esta detém o direito e o dever – ocupando os pratos de uma mesma balança, a representação – de escolher alguém capaz de representá-la, sem, não raro, ser suficientemente orientada para tanto.
Em Atibaia e por todo o Brasil, o momento é de deliberar sobre o futuro. O passo que damos hoje se desdobra no amanhã e o cenário político não é uma exceção. Buscar um nome que preencha a pré-requisitos imprescindíveis para desempenhar bem sua atuação política deve passar pelas mãos de todos os cidadãos para que, no jogo de espelhos aludido no início desta Coluna, o eleitor possa se ver no eleito. Seja o ensino superior completo, experiência em administração, que não dependa exclusivamente da política para assegurar seu sustento, que conheça a Constituição, que faça parte de ações sociais no município, que tenha autonomia para votar e apresentar propostas que atendam às verdadeiras necessidades da população, que tenha estudado uma área que se relacione com o exercício parlamentar, que traga consigo um histórico na gestão pública e uma reputação ilibada, digna de um profissional que se apropriou dos espaços políticos pelas mãos de suas ações e, neste momento, se coloca à disposição da população, ao lado de propostas inovadoras para uma política transparente e participativa… Escolha com os olhos no amanhã e, sobretudo, com os olhos no município em que você acredita, aquele que você deseja ver ser construído pelas mãos de quem escolheu. Se é verdade o que dizem e “cada povo tem o que merece”, que possamos fazer uso da política como um fio condutor para levar ou manter no poder aqueles e aquelas que, com responsabilidade, honestidade e competência, bem nos representam nos espelhos da cidadania.
Pôr-se na posição de outros ou trazer à presença quem, materialmente, ali não está – significação primeira da ideia de representação – passa pela “via de substituição” até tornar-se o que conhecemos como “atuar para outros”, decidir por quem está ausente no plano material, mas no campo das deliberações deve se fazer presente. A democracia é um fio condutor para as reivindicações populares na arena política, tornando o povo – ou o reflexo de suas demandas – presente pelas mãos do voto, da decisão pública e, como não poderia deixar de ser, da representação.
Por Anna Luiza Calixto