Poluição, maior consumo de água e aterramento de brejo explicam situação do córrego do Onofre

O córrego do Onofre, na altura do Jardim Imperial, onde há captação do SAAE, virou manchete em todas as mídias. Na sequência de matérias sobre as águas, O Atibaiense propôs o tema para o nosso entrevistado, Kleber Cavazza Campos, geógrafo que se dedica aos estudos hidrológicos.

Inicialmente, Kleber pensou num diálogo fictício entre Alguém e São Pedro, mas as chuvas que caíram em Atibaia na semana passada mudaram um pouco o curso do debate. Dois acontecimentos poderiam ser contados para São Pedro, o santo.

“Três lançamentos clandestinos de substância química no Onofre ocorridos num intervalo de 50 dias, entre agosto e setembro mataram muitos peixes. Muitas pessoas ficaram sem água em suas casas. O SAAE teve que interromper a captação da água, tamanho foi o estrago. Não sei se descobriram quem foi que jogou e o que foi que jogaram. Durante a pandemia, o povo ficou sem água. Tá aí o primeiro acontecimento!”.

“Em outubro, agora mesmo neste mês, o segundo acontecimento! O Onofre ficou praticamente seco, sem água. Jogaram a culpa em São Pedro”. A partir do relato dirigido a São Pedro, iniciamos nosso bate-papo. A segurança hídrica daqueles que dependem das águas dos córregos e rios de Atibaia para matar a sede foi afetada na qualidade e na quantidade.

“Não dá para culpar São Pedro pela falta de água”, afirma Kleber Cavazza. “Meses de inverno, nós sabemos. Aqui em Atibaia chove menos. É um período de estiagem. É algo previsível. O que houve neste período de estiagem foi a pandemia. Pandemia, que trouxe muitas pessoas para as casas. Isso elevou o consumo de água. Com a pandemia, nós passamos a usar um volume maior de água para realizarmos a higiene de nossas mãos, nossas roupas, nossas compras, por exemplo. Era algo previsível”, raciocinou.

CHUVAS CAEM MENOS

Mas não é só isso! Realmente, as chuvas estão caindo menos. “Quando se olha para o histórico, percebe-se isso. Desmatamentos e queimadas, mesmo ocorrendo longe daqui, lá nos pantanais sul-mato-grossense e mato-grossense, na Amazônia e nos cerrados, aquecem o continente, dificultando a formação das chuvas. E em 2020, pegando a série histórica, percebe-se que tanto os desmatamentos como as queimadas atingiram proporções alarmantes. Avanço da monocultura (commodities: soja, milho, etc) é o principal impulsor desta engrenagem”.

Segundo Kleber Cavazza, “o mesmo desmatamento que é visto longe daqui ocorre aqui, por conta de um uso e ocupação do solo regrado por interesses que são incompatíveis com a dinâmica hídrica, que é a soma das dinâmicas atmosférica (chuvas), subterrânea (água subterrânea e aquíferos) e superficial (rios e córregos, como o Onofre).

BACIA HIDROGRÁFICA

“Na dinâmica superficial, temos a bacia hidrográfica, onde basicamente a água escoa de lugares mais altos para lugares mais baixos. O modo como usamos a água e o modo como ocupamos os espaços próximos ao córrego afetam a qualidade e a quantidade de suas águas. Produto químico, desmatamento, resultado nas torneiras: somente o barulho do ar saindo. Interligar parte da cidade a um outro manancial é uma alternativa de curto prazo. Não resolve o problema por completo, mas minimiza. Se dermos as costas a cada manancial que ‘inutilizamos’, que ‘estragamos’, que ‘destruímos’, efetuando interligações de sistemas, chegará um momento no qual não haverá mais água para fluir pelos sistemas. Não se trata somente de interligar. Trata-se de preservar”, resumiu Kleber.

“Água é recurso finito. A quantidade de água disponível não aumentou com o passar do tempo. O ideal seria que se tivesse mantido a quantidade. Vem ocorrendo o contrário! A água diminuiu e muito, enquanto o número de habitantes aumentou e muito. Em algum momento, a conta não fechará. Este momento já dá sinais! O poder público precisa dar conhecimento dos problemas às pessoas, acrescentou o especialista. Perguntamos a ele quais seriam as soluções.

VAMOS PLANTAR ÁGUA

Não há uma solução. Solução dá ideia de que se resolverá o problema, em definitivo. Não há uma solução quando se envolve o dinamismo do uso do espaço geográfico. Existem propostas adequadas a um determinado momento. Uma das propostas é “plantar água”.

“Plantarmos água é necessário! O plantio de água ocorre nos brejos protegidos, nas matas ciliares protegidas, na manutenção de áreas de conservação. Plantamos água quando aproveitamos adequadamente espaços públicos. Plantamos água quando incentivamos a agroecologia, por exemplo. Aterramento de brejos ao longo do Onofre e tantos outros rios de Atibaia quebram a dinâmica do ciclo hidrológico. Brejos são fundamentais para a manutenção de um rio, porque são esponjas, mantendo absorvida grande quantidade de água. São os responsáveis por fazer com que exista água no rio durante os longos períodos de estiagem. Ao aterrarmos um brejo, drenamos toda a água que estava reservada”, concluiu Kleber.

Como o cidadão pode contribuir? “Podemos contribuir lavando menos os carros ou motos; não lavando tanto as calçadas e quintais. Evitarmos usos fúteis da água é fundamental para que muitos de Atibaia não fiquem somente com o barulho do ar escapando pela torneira sem água. Além disso, córregos e rios não são valas para lançamento de esgoto ou lixo. Córregos e rios são como artérias que percorrem um corpo distribuindo vida. Merecem ser olhados. Merecem que fotografemos os descasos e desmandos que se abatem sobre eles”.