Semear o paraíso
Cada criança e seu presépio nos ensinam a abrir espaço no inferno para a luz que apenas elas são capazes de irradiar.
Anna Luiza Calixto
Podemos encontrar, por todo o Brasil, presépios a todos os moldes. Em casas, apartamentos, barracos e ocas iremos conhecer manjedouras simples que carregam em si a maior opulência humana: uma nova vida.
Pude conhecer Marias solitárias, educando quatro ou cinco crianças por sua própria conta. Bem como conheci Josés dando seu sangue para proteger e zelar por seus pequenos. Marias em sofrimento, em violência, em miséria. Josés sem saber de onde extrair forças, em desespero. Presépios cercados de amor, de esperança e de fé.
Presépios brasileiros que tem em seu berço alguém em comum: meninos e meninas – filhos deste solo – que trazem à tona o melhor de cada Maria, de cada José. Crianças que representam em cada lar o que o menino Jesus representou e representa com sua vinda ao nosso mundo: empatia, bondade, paz e, mais do que qualquer outra virtude, o amor. Um amor divinal, cuja desmesura a humanidade desconhecia. Um amor de sacrifício, de renúncia, de promessas e alianças. O amor que nos une a cada encerramento de ano e nos mantém por todos os dias.
Pois é através deste amor que recebemos inspiração para cuidar de tantos meninos Jesus brasileiros, zelar para que todos tenham suas manjedouras, Marias e Josés para olhar por cada um e, como não poderia deixar de ser, nós (como os Reis Magos) para – guiados por uma única luz – entregar o que temos de melhor por nossas crianças e adolescentes.
Em cada presépio encontraremos luz. Onde há crianças – mesmo em lares onde só se vê escuridão – há possibilidade de abrir espaço no inferno e semear o paraíso.
O Natal é sobre cultivar o paraíso através da semente mais preciosa: nossas pequenas estrelas guias. Oro para que esta luz possa irradiar nos presépios de maior sofrimento, propalando bençãos e não nos permitindo esquecer – assim como do menino Jesus – da menina Araceli, do menino Bernardo, da menina Agatha Félix. Dos meninos e meninas soterrados em Paraisópolis. Dos meninos e meninas vítimas da obscuridade e perversidade humana, que buscamos esquecer em celebrações cristãs.
Para preservar a força de tal festividade é que não podemos esquecer que aqui celebramos o nascimento de um refugiado, pobre, perseguido e torturado por pregar a justiça social e o amor – pautas e lutas que o conduziram para o sacrifício. Passam os séculos, mas o povo ainda escolhe Barrabás.
Para nós, desejo motivos para celebrar ao olhar por nossos meninos e meninas. Toda criança é nossa criança e cada uma delas tem em si a bondade e o amor capazes de abrir espaço no inferno. O Natal nos traduz nascimento, esperança e a vida na sua forma mais empírica. O Natal são nossas crianças. E nossas crianças têm tudo o que nos desejo neste e em todos os anos: luz para as manjedouras mais obscuras e esperança para semear o paraíso onde tudo o que conhecemos é o inferno. O mundo é o nosso presépio.